Antonio Quinto

Segurança do Paciente: Conceito que Está Mudando as Organizações de Saúde

Todos que operam na assistência aos pacientes (profissionais da “ponta”) sabem que lidam com situações perigosas. A ideia de risco é onipresente, em maior ou menor grau, porém dentro de um contexto tradicional fundamentado na pessoa. Associado a isso, tem-se que as organizações de saúde são fortemente hierarquizadas e autoritárias, que para alguns seria justificado pela natureza do serviço prestado – atendimento de pessoas em condições de vulnerabilidade física e psicológica. Porém a análise mais atentaexplica essa característica através de outros argumentos, como o respeito e admiração pela profissão médica, com o subsequente cultivo de uma relação privilegiada com a sociedade, e o destaque para o modelo “face a face” da relação médico-paciente comoforma mais humana e confiável do atendimento de saúde.

Os que atuam nas áreas administrativas e de apoio (profissionais da “base”) rotineiramente não se encontram premidos por situações de ameaça à segurança dos clientes/pacientes em suas atividades, o que lhes confere uma condição de trabalho menos tensa e preocupante em comparação com os profissionais da “ponta”. As organizações de saúde, portanto, quanto ao potencial de risco inerente à atividade exercida, abrigam pelo menos dois tipos de profissionais: os que estão próximos do risco assistencial e os operam afastados deste.

A ciência da segurança do paciente proporciona um novo enfoque para os profissionaisque trabalham na “ponta” e na “base” das organizações de saúde. Ela oferece uma nova maneira de compreender os riscos, de estabelecer relacionamentos entre os diversosserviços, unidades e setores, de relacionar-se com os pacientes, familiares e a mídia, especialmente quando eventos chocantes, como os incidentes assistenciais graves, atingem os pacientes.

Em 2003 a Organização Mundial da Saúde, ao interpretar a ocorrência de incidentes assistenciais graves como um problema de saúde pública, lançou uma campanha mundial pela segurança do paciente. Definiu da forma mais simples possível o termo“segurança do paciente”: “a prevenção de erros e efeitos adversos nos pacientes em decorrência do atendimento de saúde”. O Brasil, país-membro daquela instituição internacional, no dia 1º de abril do corrente ano, instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente o qual deverá promover o monitoramento e prevenção de danos na assistência à saúde, ao mesmo tempo que definiu seis protocolos:

1) Cirurgia segura;

2) Prática da higiene das mãos em serviços de saúde;

3) Prevenção de úlceras por pressão;

4) Prevenção de quedas em pacientes hospitalizados;

5) Identificação do paciente;

6) Segurança na prescrição, uso e administração de medicamentos.

O programa nacional obriga a implantação de núcleos de segurança do paciente nos serviços de saúde públicos e privados, e torna compulsória a notificação de eventos adversos (incidentes que resultaram em dano aos pacientes). Cabe destacar, no entanto, que nenhum programa de segurança do paciente sustenta-se apenas com algumas medidas específicas. É preciso uma enorme disposição e convencimento dos dirigentes das organizações de saúde para criarem e aplicarem uma política global de segurança do paciente articulada com o planejamento estratégico institucional.

A segurança do paciente traz a ideia da aplicação do pensamento sistêmico, que não é novo na medicina, mas que não se aplicava sistematicamente nas interações entre os trêsâmbitos das organizações de saúde – assistencial, de apoio e administrativo – assim como nas relações entre os profissionais, nas relações entre os serviços, pacientes e familiares. Esse novo paradigma passou a reescrever como as organizações devem estruturar-se, como os serviços e os profissionais devem atuar, e como os pacientes e familiares devem assumir uma atitude ativa diante do atendimento recebido.

A ciência da segurança do paciente rejeita o conceito do atendimento de saúde como domínio exclusive do médico sobre a relação médico-paciente, não porque se tornou menos importante, mas pela visão mais global e exigente que o complexo cenário do atendimento de saúde pleiteia. Abrange o atendimento centrado no paciente e o modelo biomédico, aprecia o trabalho de equipes interdisciplinares, a participação dos pacientese seus familiares, assim como dos profissionais de “base” (que se acreditava que não tinham nada a ver com isso).

A segurança no atendimento de saúde é, na atualidade, mais que uma palavra de ordem. Trata-se de um conceito revolucionário que sublinha os diversos tipos de fragilidadesnas organizações de saúde, e descobre maneiras de torná-las mais seguras para todos. É, por princípio, uma atividade essencialmente colaborativa e multidisciplinar. Precisa delíderes em todas as áreas e de colaboradores que ajam, indistintamente, como agentes capazes de elevar a confiabilidade dos serviços prestados.

A complexa interação entre múltiplos serviços e profissionais de diferentes formações e visões compõe um ambiente propício para inúmeras “armadilhas” facilitadoras deincidentes assistenciais indesejáveis. Consequentemente, as organizações de saúde cada vez mais necessitarão de profissionais qualificados que simplifiquem e melhorem processos, identifiquem gargalos e empreendam medidas que interceptem eventos catastróficos.

As organizações que possuem um ambiente justo e confiável tornam os seus membros mais sábios. Esse tipo de sabedoria prática cresce sucessivamente com a experiência eos tornam mais hábeis no reconhecimento precoce de algo que está defeituoso ou que a qualquer momento poderá tornar-se uma grande ameaça assistencial e/ou institucional. É, portanto, a força da capacidade ininterrupta de aprender que impulsiona as organizações para frente e fortalece o compromisso de respeito e dignidade com os seus clientes/pacientes.

Antonio Quinto

Médico psiquiatra, Mestre em Administração pela UFRGS, Especialista em Avaliação de Sistemas e Serviços de Saúde, Membro do Conselho Editorial da Revista de Administração em Saúde da Associação Paulista de Medicina. Fellow do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs). Avaliador Sênior do Instituto de Acreditação Hospitalar e Certificação em Saúde - IAHCS/ONA e professor convidado dos cursos de especialização do IAHCS/Fasaúde e da Faculdade Unimed, de Belo Horizonte (MG). Diretor de Provimento de Saúde do IPE-Saúde.

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Um Comentário

  1. O assunto Segurança do Paciente é indispensável e desafiante. Gostaria de conhecer a possibilidade de palestra no Hospital Tacchini.
    Grato

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