Antonio Quinto

Acreditação de Organizações de Saúde e Maturidade Organizacional

Chegar à condição de uma organização acreditada é como subir a pé uma montanha. Primeiro, precisa-se ter a vontade de subi-la. Depois, preparar-se para enfrentar o caminho e iniciar a subida. Durante a caminhada será necessário fazer algumas paradas de descanso para recompor as energias, dar uma olhada para baixo e para cima, ter uma noção do que já caminhou e avaliar o que falta para chegar ao ponto determinado. O tempo estimado para subir poderá ser maior do que o previsto, seja pelo cansaço, algum imprevisto, ou mesmo reconsideração de algum fator que retarda a caminhada. Ao chegar ao cume da montanha usualmente a satisfação será enorme: jornada vencida, ver o vale, o lago, o rio ou o mar, ter a visão de longo alcance que vai até a linha do horizonte. Assim é a jornada para elevar o patamar de qualificação das organizações de saúde. Algumas estão prontas e necessitam efetuar pequenas adequações aos requisitos da acreditação; outras precisam realizar um enorme esforço de preparação. Umas conseguirão subir até o cume da montanha; outras serão capazes de superar somente parte do caminho. Mas haverá organizações que nem iniciarão a marcha, e os seus gestores possivelmente farão comentários pejorativos sobre a acreditação, numa espécie de menosprezo à excelência. São vítimas, por assim dizer, do “efeito pigmaleão” às avessas, ou seja, as expectativas de baixo desempenho que possuem se concretizam porque a priori pensam assim.

Tradicionalmente, a maioria dos gestores das organizações de saúde cultiva um ambiente de lamúria. Com frequência se observa que, pelo fato do atendimento de saúde constituir-se uma atividade socialmente nobre e inerentemente humana, isso parece instituir uma aura de qualificação àqueles que a executam. Como os serviços de saúde são prestados por pessoas para pessoas, isso dá um desmedido grau de liberdade aos gestores para sobrecarregar os profissionais, em particular médicos e enfermeiras, no que concerne à qualidade dos serviços e segurança do paciente, como se estes fossem capazes de suprir deficiências estruturais insofismáveis que superam os seus limites. Tem-se, portanto, nas organizações imaturas, do ponto de vista técnico-gerencial, uma conjunção de fatores explosivos: menosprezo à excelência, projeção das falhas e deficiências no ambiente externo e abusiva responsabilização dos profissionais.

O desempenho excepcional não se atinge sem uma prática persistente e deliberada de trabalho com acesso às melhores técnicas gerenciais e assistenciais. A excelência, quando instituída como hábito – o que se verifica nas organizações acreditadas -, utiliza fatos e evidências como niveladores da hierarquia, o que contribui para a fluidez das comunicações e iniciativas de correção, prevenção e melhoria. Aliás, parte da resistência em relação à prática baseada em evidências surge porque, quando aplicada corretamente, essa técnica altera a dinâmica do poder, substitui por dados e fatos a autoridade formal, a reputação e a intuição.

Alcançar o patamar de práticas de excelência é um empreendimento que exige disciplina, educação, organização e aplicação de princípios gerenciais e assistenciais reconhecidamente bem sucedidos. Para as organizações que se encontram muito próximas do atendimento aos requisitos da acreditação, o dispêndio de tempo para alcançar essa condição será menor, enquanto para outras o período de preparação poderá ser bastante dilatado e, até desanimador, em função dos inúmeros requisitos que precisam atender.

Um serviço de classe mundial (Gráfico 1) é aquele em que há menor intensidade de ações corretivas e maior presença de ações preventivas e de melhoria. O grosso das organizações de saúde no País, contudo, encontra-se em um estágio de maturidade organizacional em que predomina o gerenciamento caótico, ou seja, as ações corretivas superam em muito as possíveis ações preventivas e de melhoria.

grafico maturidadeGráfico 1: Sistema de gestão técnico-assistencial, grau de excelência e maturidade dos serviços de saúde.

Sair do estágio mais elementar de gerenciamento técnico-assistencial em direção à excelência é um compromisso inadiável para todos os que trabalham em organizações de saúde, tendo em vista os reclamos dos clientes/pacientes. Melhorar o sistema como um todo impacta no comportamento dos profissionais e do seu trabalho, fazendo com que atuem com paixão e contentamento, e consequentemente, contribuam para a elevação da qualidade dos serviços e da segurança do paciente. Indiscutivelmente, o foco principal no atendimento dos clientes/pacientes torna mais claro o que se deve e precisa fazer, suaviza a indiferença e aumenta a humanização.

As organizações de saúde necessitam caminhar na direção da melhoria de suas atividades técnico-assistenciais, tendo por base um modelo de gestão que as oriente e sirva, ao mesmo tempo, de base para uma avaliação periódica. A acreditação não é tudo, mas parte essencial de um instrumento plausível para isso.

Antonio Quinto

Médico psiquiatra, Mestre em Administração pela UFRGS, Especialista em Avaliação de Sistemas e Serviços de Saúde, Membro do Conselho Editorial da Revista de Administração em Saúde da Associação Paulista de Medicina. Fellow do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs). Avaliador Sênior do Instituto de Acreditação Hospitalar e Certificação em Saúde - IAHCS/ONA e professor convidado dos cursos de especialização do IAHCS/Fasaúde e da Faculdade Unimed, de Belo Horizonte (MG). Diretor de Provimento de Saúde do IPE-Saúde.

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