Antonio Quinto

Acreditação Hospitalar: Garantia de Segurança Assistencial ou Reforço do Marketing?

A acreditação é uma metodologia de avaliação externa, independente, voluntária, periódica, que verifica padrões dinâmicos relacionados com três domínios (estrutura, processos e resultados) e reconhece a qualidade dos serviços e a segurança nas organizações de saúde. É parte de um posicionamento de gestão da melhoria da qualidade que se desenvolve ao longo do tempo, não se constituindo um fim em si mesmo. Encerra o escopo essencial de prover um quadro de referência que facilite o monitoramento contínuo dos serviços prestados à comunidade. Entretanto, como qualquer iniciativa humana, possui variadas conotações políticas, econômicas e sociais. E nesse sentido há uma parcela de inquietação naqueles que advertem o emprego desse método como uma condição que fortalece o marketing, o que supostamente poderia reduzir o interesse institucional em aprimorar continuamente a qualidade e a segurança em benefício dos clientes/pacientes, dos profissionais, da organização de saúde e da própria comunidade.

Há os que defendem que as exigências reguladoras governamentais (Ministério da Saúde e Anvisa) seriam capazes de dar conta da garantia da boa qualidade dos serviços para os clientes/pacientes. A experiência internacional, entretanto, rebate esse argumento destacando que são insuficientes. Elas precisam ter suas deficiências compensadas por mecanismos meta-reguladores, como a acreditação.

O mercado nacional da assistência à saúde caracteriza-se por uma mistura de serviços públicos e privados, sendo estes com ou sem fins lucrativos. Isso cria um cenário que embaraça qualquer esforço de diferenciação exclusiva entre interesses voltados para a qualidade dos serviços e interesses econômicos. Entende-se que não há formas puras, ou seja, tanto o setor público quanto o privado dependem da variável econômico-financeira, conquanto as razões sejam distintas.

A análise da acreditação em hospitais públicos mostra um fato interessante. Essa metodologia é utilizada tanto como ferramenta de avaliação da qualidade dos serviços e da segurança do paciente, quanto como mecanismo de responsabilidade pública, uma vez que em princípio não existe a preocupação em ampliar mercado e convencer compradores de serviços de saúde. O compromisso fundamental dos serviços públicos de saúde concentra-se na prestação de uma assistência qualificada e segura que dignifica essas instituições e seus profissionais. O mesmo não se pode afirmar dos hospitais privados, com ou sem fins lucrativos, uma vez que atuam em um ambiente de concorrência – ainda que de baixa intensidade na realidade nacional – onde procuram vender os seus produtos/serviços. Nesse sentido a acreditação poderá ser utilizada como um instrumento de fortalecimento comercial, o que não se constitui um ato de tirania, mas uma particularidade dessas organizações. Aliás, um dos poucos sinais da existência de concorrência mercadológica entre as organizações de saúde tem sido o “efeito acreditação” observado em alguns mercados, ou seja, quando uma obtém a acreditação, outras rapidamente se mobilizam para alcançar essa condição, o que indica um empenho de resposta para neutralizar as forças de concorrência na área de atuação.

O funcionamento eficaz dos serviços de saúde implica um complexo e delicado alinhamento de vontades dos prestadores públicos e privados, operadoras de planos de saúde e utilizadores dos serviços, a fim de que seja preservado o interesse público, prestado um “bom atendimento” e não prejudique os clientes/pacientes. Para estes, seja serviço público ou privado, o que interessa é que o acesso ocorra sem demora excessiva, que o atendimento não cause dano adicional (mesmo com o propósito de ajudá-los) e não seja sem benefício, que o atendimento respeite e corresponda as suas preferências, necessidades e valores, e não varie em virtude de características pessoais (gênero, etnia, naturalidade ou status socioeconômico). Eles querem ter a confiança de que a assistência será humana, apoiada no conhecimento científico e no menor risco possível. Tudo isso pode ocorrer, indistintamente, em organizações públicas ou privadas, sendo que estas se diferenciam pelo fato dos clientes/pacientes supostamente possuírem a exclusividade de escolher onde desejam ser atendidos.

A acreditação, como um método de avaliação da qualidade médico-assistencial que outorga um selo de reputação às organizações de saúde, é passível de duplo sentido. Pode ser uma declaração do mais elevado compromisso público com a população, evidenciado nas organizações públicas, assim como pode ser utilizado como um ingrediente de comercialização dos produtos/serviços, o que se verifica de forma explícita nas organizações privadas. Estas, por natureza, possuem a difícil tarefa de articular, com precisão, a interdependência entre o compromisso público e a comercialização dos serviços, garantindo com isso a sobrevivência corporativa.

Do ponto de vista conceitual, é inconcebível que organizações acreditadas, públicas ou privadas, coloquem em risco o atendimento da clientela em benefício de ganhos econômicos diversos. Isso não apenas ofende a sociedade como rompe o compromisso social tácito de prestar uma assistência de saúde qualificada e segura.

Antonio Quinto

Médico psiquiatra, Mestre em Administração pela UFRGS, Especialista em Avaliação de Sistemas e Serviços de Saúde, Membro do Conselho Editorial da Revista de Administração em Saúde da Associação Paulista de Medicina. Fellow do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs). Avaliador Sênior do Instituto de Acreditação Hospitalar e Certificação em Saúde - IAHCS/ONA e professor convidado dos cursos de especialização do IAHCS/Fasaúde e da Faculdade Unimed, de Belo Horizonte (MG). Diretor de Provimento de Saúde do IPE-Saúde.

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