Antonio Quinto

5 Condições que Denunciam a Baixa Qualificação das Organizações de Saúde

Quando se conversa com profissionais de saúde sobre as organizações onde operam, usualmente contam dificuldades e maravilhas. As dificuldades quase sempre se concentram na falta de recursos financeiros; as maravilhas – exaltam o trabalho que realizam, não raro com um toque de heroísmo. Talvez pelo fato de a maior parte das organizações funcionar no limite dos recursos disponíveis para os serviços que oferecem, a explicação mais imediata incida na precariedade econômico-financeira. Todos supõem que suas atividades são desenvolvidas com o maior esmero possível, embora a realidade não confirme isso. Todos se lamuriam das limitações econômicas e parcela expressiva enaltece proezas pessoais ou de grupos.

Os indivíduos que atuam nas organizações de saúde, por piores que estas sejam, creem que o sentimento humanitário superará deficiências e falhas. Presumem que sabem gerir recursos institucionais. Não valorizam método e técnicas capazes de auxiliá-los no propósito de extrair o máximo dos recursos disponíveis (que sempre serão escassos diante das necessidades humanas). Conquanto haja um limite econômico-financeiro abaixo do qual se torna impossível prestar serviços qualificados e seguros, parece um ato desajuizado acreditar-se que tudo se resume à falta de dinheiro, e que método e técnicas gerenciais pouco ou nada contribuem para uma gestão consequente, produtiva e confiável.

Um estudo sistemático sobre “organizações de saúde que lutam para melhorar a qualidade” encontrou cinco domínios[1] que as caracterizam e, ao mesmo tempo, revelam o estágio rudimentar de segurança, qualificação e desempenho no qual se encontram.

Cultura organizacional fraca

Os colaboradores exibem baixo compromisso institucional, colaboram pouco, reclamam muito e apresentam baixa produtividade. Descumprem orientações e criam regras de acordo com suas experiências e vontades momentâneas.

Falta espírito de equipe, sendo comum os indivíduos se sentirem “desvalorizados”.

A estrutura hierárquica abriga lideranças discordantes (cada uma agindo por conta própria, sem levar em consideração a organização como um todo).

As chefias carecem de atribuições claramente definidas, e tanto quanto podem, eximem-se de assumir responsabilidades pelo que ordenam, sendo frequente explicarem que determinadas exigências são emanadas da diretoria e não delas.

A impressão geral é de um desalinhamento global das operações.

O amplo desarranjo organizacional extensivo ocasiona ansiedade e medo nos indivíduos. Por conseguinte, a conduta defensiva se expressa, de forma invasiva e paralisante, em cada canto dessas organizações.

Infraestrutura deficiente

As instalações são descuidadas e precárias.

Os equipamentos médico-hospitalares frequentemente apresentam defeitos e permanecem meses sem qualquer medida corretiva.

As redes elétrica e hidráulica se encontram no limite da funcionalidade, colocando em risco a segurança das operações assistenciais e gerenciais.

O sistema de informática, deficiente e sobrecarregado, periodicamente impede que os profissionais executem suas atividades.

Essas deficiências, por serem tangíveis, induzem os indivíduos a acreditarem que a correção desses componentes alterará o ambiente de instabilidade institucional.

Falta de uma missão e visão coesas

A missão institucional, quando existe, é imprecisa e amiúde conflita com outras missões (estabelecidas autonomamente pelos serviços, unidades e setores).

A visão, da mesma forma, inexiste ou não orienta objetivamente para o futuro.

Comumente os gestores das organizações em dificuldades, quiçá por se encontrarem intensamente pressionados pelas urgências diárias, não conseguem ver a importância de um propósito (razão de ser da instituição), uma visão (onde a instituição deseja chegar) e valores (elementos que dão consistência às crenças, e comportamentos desejáveis).  

Choques sistêmicos

Elevada rotatividade das lideranças e funcionários. Isso gera descontinuidades, desvia a atenção das operações diárias e reforça o clima de instabilidade, dando a impressão que a qualquer momento ocorrerá o colapso institucional.

Pequenos atritos e escândalos individuais assumem a proporção de grandes problemas institucionais, os quais ocupam parte do precioso tempo das lideranças que necessitam estar focadas em questões institucionais relevantes.

A instabilidade é o alimento dos eventos disfuncionais que se retroalimentam e levam essas organizações para níveis cada vez mais precários de funcionamento.

Relações externas disfuncionais com outros hospitais, operadoras, fontes de financiamento, fornecedores e agentes de governo

A diretoria praticamente não se relaciona com outros hospitais e organizações de saúde.

Predomina a ideia de que as operadoras são agentes predadores.

A relação com os agentes públicos costuma ser conflituosa.

Atuação autônoma e independente do seu meio ambiente.

As organizações em dificuldades isolam-se e passam a viver um mundo à parte. A presença de um antagonismo[2] inconsequente em relação aos agentes externos, particularmente aos gestores públicos e grupos pagadores, contribui para o adensamento de múltiplas e sucessivas deficiências. Esse estado de coisas cria um cenário surreal em ambientes que precisam de atualização constante quanto aos meios de diagnóstico e tratamento.

O conhecimento dos domínios que caracterizam “organizações que lutam para melhorar a qualidade” representa um ponto de partida. Isso pode servir de orientação para gestores que almejam ir direto às questões cruciais, ganhando tempo e direcionando-as para um patamar superior de funcionamento.

 

[1] Vaughn VM, Saint S, Krein SL, et al.  Characteristics of healthcare organisations struggling to improve quality: results from a systematic review of qualitative studies. BMJ Qual Saf, 2019;28:74–84. https://qualitysafety.bmj.com/content/28/1/74. Acessado em 26/jul/2019.

[2] Mannion, R; Davies, HTO; Marshall, MN. Cultural characteristics of “high” and “low” performing hospitals. Journal of Health Organization and Management. Vol. 19 No. 6, 2005, pp. 431-439.

Antonio Quinto

Médico psiquiatra, Mestre em Administração pela UFRGS, Especialista em Avaliação de Sistemas e Serviços de Saúde, Membro do Conselho Editorial da Revista de Administração em Saúde da Associação Paulista de Medicina. Fellow do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs). Avaliador Sênior do Instituto de Acreditação Hospitalar e Certificação em Saúde - IAHCS/ONA e professor convidado dos cursos de especialização do IAHCS/Fasaúde e da Faculdade Unimed, de Belo Horizonte (MG). Diretor de Provimento de Saúde do IPE-Saúde.

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