Antonio Quinto

Acreditação e Prática Médica

A moderna prática assistencial sublinha que a prestação eficaz do atendimento médico advém de uma atuação clínica orientada pelas necessidades e expectativas dos pacientes/clientes, fundamentada em protocolos, orientações específicas de redução do risco assistencial, além de regras claras quanto ao trabalho em equipe e análise crítica dos resultados assistenciais e administrativos. Isso pressupõe um ambiente que estimule e valorize a avaliação tanto do desempenho clínico quanto institucional.

A eficácia clínica, que até recentemente atinha-se ao treinamento e competência individual do médico, agora precisa ser sustentada pela governança institucional que apoia orientações de conduta clínico-gerencial, fortalece a função do Diretor Técnico e aprecia o trabalho médico. Além disso, a prática clínica, que continuamente aperfeiçoa-se à luz da evidência emergente da eficácia, realça no raciocínio médico-assistencial – de forma mais enfática e ampliada – elementos de eficiência e segurança.

A Organização Nacional de Acreditação (ONA) preconiza padrões que devem ser atendidos pelos serviços, unidades e setores. No Manual de Acreditação identificam-se requisitos dos padrões, difundidos em diversas subseções, que dependem – em parte ou exclusivamente – da atuação dos médicos. Adicionalmente, esses requisitos, na sua maioria, precisam ser basicamente estruturados e disponibilizados pelas organizações de saúde. Isso exige comunicação eficaz entre médicos e a administração.

No propósito de explicitar os requisitos de acreditação que se relacionam mais diretamente com a atuação dos médicos, buscou-se categoriza-los em dois âmbitos.

a) Âmbito da Direção Técnica em associação com a Direção Clínica e a Alta Direção

1) Facilitar a prática médica e o conforto profissional.

2) Divulgar e zelar pela aplicação:

2.1) Regras de ingresso, desenvolvimento e desligamento dos médicos na organização.

2.2) Código de ética médica.

2.3) Código de conduta institucional.

3) Monitorar, avaliar e atualizar protocolos clínicos, colocando-os à disposição de todos os médicos atuantes na organização.

4) Comunicar e discutir resultados de produção assistencial, indicadores de qualidade e segurança.

5) Promover ações que aumentem o conhecimento e habilidades médicas, assim como fortaleçam a segurança assistencial e profissional.

b) Âmbito do conjunto de médicos

1)  Cumprir regras de funcionamento da organização de saúde que incluem normas de gerenciamento administrativo e assistencial:

1.1) Cumprimento

1.1.1) Código de ética.

1.1.2) Código de conduta da organização.

1.1.3) Normas de agendamento (consultas, exames, cirurgias e outros procedimentos invasivos).

1.1.4) Medidas de prevenção e controle de infecções relacionadas com o atendimento de saúde.

1.1.5) Práticas seguras de movimentação dos pacientes.

1.1.6) Critérios e procedimentos de segurança para a utilização de materiais, medicamentos, equipamentos e serviços, com base em boas práticas.

1.1.7) Critérios de alta dos pacientes.

1.1.8) Protocolo multidisciplinar para a segurança da cadeia terapêutica.

1.2) Aplicação

1.2.1)  Termo de Consentimento Informado e Esclarecido institucional.

1.2.2) Aplicação da lista de verificação de cirurgia segura.

1.3) Utilização dos protocolos de atendimento das patologias de maior prevalência, gravidade e risco.

1.4) Elaboração

1.4.1) Plano terapêutico individualizado, multidisciplinar considerando o grau de complexidade e dependência, execução, avaliação e adequação (quando necessário).

1.4.2) Plano de encaminhamento de pacientes/clientes, com o envolvimento da equipe multidisciplinar, para outros serviços.

1.4.3) Plano de alta multidisciplinar.

2) Prestar o atendimento médico tendo em conta as características individuais dos pacientes/clientes e familiares, suas tradições culturais, preferências e valores pessoais.

3) Comunicar-se com outras áreas assistenciais e serviços de diagnóstico que favoreçam e garantam a continuidade da assistência.

4) Registrar informações precisas sobre o atendimento prestado, de tal forma que assegurem a continuidade da assistência e a auditoria sistemática das mesmas.

5) Compartilhar com pacientes/clientes e/ou familiares:

5.1) Decisões relacionadas ao tratamento.

5.2) Decisões relacionadas com os encaminhamentos necessários à continuidade do tratamento.

6) Orientar pacientes/clientes e/ou familiares quanto à patologia que apresentam, os riscos associados ao tratamento e aos exames, assim como atividades de promoção à saúde e continuidade dos cuidados.

7) Identificar riscos relacionados à condição do paciente e colaborar com ações que reduzam a ocorrência de eventos adversos.

8) Comunicar deficiências e falhas relacionadas aos materiais, medicamentos, equipamentos e serviços, bem como eventos adversos.

Embora alguns requisitos sejam óbvios, os médicos via de regra não se encontram convencidos sobre a relevância dos mesmos, ou até desconhecem, em boa parte, as implicações do não cumprimento ou a forma de realiza-los. É nesse ponto que o Diretor Técnico e Diretor Clínico podem cumprir um papel relevante promovendo o entendimento dos requisitos e auxiliando os médicos a cumpri-los. Deve-se ressaltar, contudo, a necessidade de treinamento sistemático para o cumprimento de certos requisitos, bem como o estabelecimento consistente do mecanismo de auditoria clínica – forma de assegurar uma qualificação cada vez mais elevada dos cuidados médico-assistenciais. Felizmente, a prática mostra que os médicos, por mais resistentes que sejam, cedem à força do argumento da segurança assistencial (em primeiro lugar) e da qualidade dos serviços (em segundo lugar) para os pacientes e eles próprios.

A acreditação, ao pressupor uma estrutura de governança clínica, valoriza e protege a atuação dos médicos, fortalece e eleva a eficácia clínica, assim como aumenta o grau de satisfação profissional. Por conta disso, as organizações de saúde acreditadas tendem a proporcionar condições mais favoráveis para a atuação médica, tanto do ponto de vista técnico quanto social e humano. Isso é positivo, nobre e importante para todos os segmentos interessados no atendimento de saúde.

Antonio Quinto

Médico psiquiatra, Mestre em Administração pela UFRGS, Especialista em Avaliação de Sistemas e Serviços de Saúde, Membro do Conselho Editorial da Revista de Administração em Saúde da Associação Paulista de Medicina. Fellow do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs). Avaliador Sênior do Instituto de Acreditação Hospitalar e Certificação em Saúde - IAHCS/ONA e professor convidado dos cursos de especialização do IAHCS/Fasaúde e da Faculdade Unimed, de Belo Horizonte (MG). Diretor de Provimento de Saúde do IPE-Saúde.

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