Antonio Quinto

Pacientes e Familiares Podem Aumentar a Segurança no Atendimento de Saúde

Há dois aspectos, relacionados à segurança assistencial, que intrigam os profissionais de saúde: contar aos pacientes e seus familiares incidentes que acontecem no atendimento de saúde, e acolher a contribuição deles na interceptação, assim como na comunicação, de falhas e incidentes decorrentes dos cuidados de saúde. Os comentários que se seguem são relativos a essa segunda questão.

Há profissionais de saúde que consideram medida inócua, senão perigosa, dar informações aos pacientes e familiares sobre diagnóstico, tratamento, recuperação e eventuais riscos associados. Predomina o silêncio ou, no máximo, um esclarecimento lacônico e incompreensível para leigos. Duvidam que possam atuar como agentes protetores de falhas e incidentes em si mesmos. Ajuízam que eles são inábeis em apreender falhas e incidentes ocorridas no atendimento de saúde que recebem. A prática, não obstante, tem apontado que pacientes e familiares, cientes dos riscos inerentes aos cuidados de saúde, elaboram de forma positiva as ineficiências percebidas – o que não quer dizer que reajam docilmente a isso – e revelam-se transigentes com os profissionais francos e honestos que comunicam, com sensibilidade, algo que não saiu conforme o esperado.

Por formação, os médicos buscam a perfeição, o que não quer dizer que sejam perfeitos. Isso inclusive, muitas vezes, leva-os a exibirem conduta oposta a um relacionamento eficaz com pacientes e seus familiares. Aliás, quem atua na área da saúde sabe que o racional e o emocional caminham juntos, e a mistura desses dois componentes distingue os profissionais mais cobiçados.

A melhoria contínua da qualidade, através da metodologia lean, ensina que a perfeição é uma busca constante do aperfeiçoamento mediante avaliação ininterrupta das ações realizadas, e é exatamente isso que os bons profissionais de saúde fazem. Sabem que a falha humana é inevitável e vigiam os eventuais problemas contidos nos sistemas assistenciais e administrativos que tornam presumível a probabilidade de defeitos e danos que alcancem os pacientes. Não raro, os gestores se sentem incomodados e interpretam essa atitude como um abuso descabido. Para os médicos e demais profissionais corresponde a uma conduta protetora para os pacientes, para eles e até mesmo para a organização de saúde na qual atuam.

A metodologia lean destaca que é necessário desenvolver soluções a partir das necessidades dos clientes/pacientes, descartando tudo que seja complexo. Dentro desse enfoque, a complexidade relaciona-se com três fontes – a inconsistência, a sobrecarga e o desperdício – que impedem a fluidez do valor dos serviços e da assistência aos clientes/pacientes. A inconsistência é qualquer coisa irregular, inadequada ou não uniforme; a sobrecarga é qualquer carga excessiva ou irracional; o desperdício corresponde a qualquer coisa que esgote desnecessariamente as fontes de tempo, empenho, espaço e dinheiro. Se considerarmos que falhas e incidentes decorrem, em grande parte, da complexidade dos sistemas e processos, faz sentido obter-se a colaboração daqueles que se encontram na condição de receptores dos cuidados de saúde, a fim de que através dessas informações seja possível efetuar aprimoramentos.

Pacientes e familiares desejam, necessitam e, acima de tudo, esperam informações para melhorar o valor dos serviços e da assistência recebida. A falta de treinamento dos profissionais de saúde sobre o quê e como relatar aos pacientes e familiares é um obstáculo a ser superado. No livro “Em defesa do paciente: o que você e seu familiar podem fazer para se protegerem de incidentes no atendimento de saúde”, os autores destacam que pacientes e familiares são observadores privilegiados do cenário onde ocorre o atendimento de saúde. Os pacientes, em especial, percebem quando um acesso venoso foi executado de forma cuidadosa ou não, notam as condições, os desacertos e até mesmo alguns incidentes. Considerar, portanto, as percepções desses personagens nos ambientes onde são prestados os cuidados de saúde – consultórios, clínicas, hospitais, serviços especializados, centros de diagnóstico, laboratórios de análises clínicas e serviços odontológicos – são aspectos relevantes para a melhoria da qualidade e segurança do atendimento prestado.

Quando pacientes e familiares sabem o que esperar do atendimento de saúde, e recebem esclarecimentos sobre as eventuais ameaças de segurança, tendem a agir de maneira construtiva. Representam, além disso, uma importante fonte de informação a respeito de potenciais eventos adversos e condições de risco. De fato, o envolvimento ativo dos pacientes e de suas famílias no próprio cuidado constitui uma estratégia sólida para elevar a segurança assistencial, aspecto reconhecido pelos programas de acreditação, tanto no nível nacional quanto internacional, incluído entre os requisitos que as organizações de saúde devem cumprir.

Pacientes e seus familiares possuem a capacidade de influenciar os cuidados médico-assistenciais e aumentar a segurança do atendimento recebido. No entanto, essa influência não virá da tentativa de se tornarem especialistas em medicina e microgerenciarem o próprio cuidado, até porque os profissionais de saúde continuarão imprescindíveis, mas de uma atitude proativa e colaboradora com a equipe de saúde. É imperioso dar mais informações para que eles, de maneira avisada e esclarecida, possam contribuir para o aumento da segurança nas organizações de saúde, com benefícios tanto para eles quanto para os demais interessados. A informação sobre o atendimento de saúde impede ou, no mínimo, reduz a probabilidade de falhas e incidentes assistenciais e, mais do que isso, pode salvar vidas.

Antonio Quinto

Médico psiquiatra, Mestre em Administração pela UFRGS, Especialista em Avaliação de Sistemas e Serviços de Saúde, Membro do Conselho Editorial da Revista de Administração em Saúde da Associação Paulista de Medicina. Fellow do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs). Avaliador Sênior do Instituto de Acreditação Hospitalar e Certificação em Saúde - IAHCS/ONA e professor convidado dos cursos de especialização do IAHCS/Fasaúde e da Faculdade Unimed, de Belo Horizonte (MG). Diretor de Provimento de Saúde do IPE-Saúde.

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