Antonio Quinto

O Propósito da Acreditação para Gestores de Organizações Prestadoras de Serviços de Saúde

É apropriado e imperioso que a atenção diária dos gestores de organizações de saúde encontre-se voltada para a métrica do desempenho financeiro das mesmas, que coincidentemente também equivale à métrica de satisfação dos acionistas, associados e proprietários[1] (no caso das organizações privadas) e satisfação dos gestores públicos e comunidades servidas (no caso das organizações públicas). Isso coloca a questão financeira em primeiro lugar, sem desmerecer a importância do cumprimento das medidas de segurança nas organizações de saúde[2], até porque essas duas variáveis caminham juntas. A premissa é simples e direta: nada existe sem recursos financeiros, que são os meios de troca de trabalho humano[3].

É impossível avalizar a segurança nos serviços de saúde se falta o mínimo necessário de recursos para o cumprimento das atividades. Embora o esforço, a dedicação e o conhecimento técnico sejam componentes relevantes no desempenho bem-sucedido das organizações de saúde, eles são limitados na sua capacidade de suprir a escassez ou falta de recursos financeiros. Estes precisam estar disponíveis em quantidade que permita às organizações cumprirem, de forma digna e justa, as suas missões.

Habitualmente os profissionais da linha de frente criticam os gestores por se concentrarem nos recursos financeiros. Isso, entretanto, não significa desatenção à segurança, qualidade e desempenho da excelência[4] nos serviços de saúde. Se a perspectiva financeira é a senhora de todas as decisões, nada mais óbvio e esperado que haja essa aplicação, devendo associar-se, necessária e judiciosamente, a outras métricas (satisfação dos interessados e questões de segurança) que confluam para o propósito fundamental: prestar cuidados de saúde seguros e qualificados à comunidade servida.

Como a preocupação dos gestores centra-se primariamente no suporte financeiro, o convencimento de ingressar em um programa de acreditação justifica-se quando este envolve motivos econômicos. Do ponto de vista do negócio, portanto, isso só faz sentido se contribuir para a sustentabilidade institucional. Não é por outra razão que os gestores, ao se depararem com este assunto, imediatamente buscam saber os custos da implementação e manutenção deste processo. Longe de ser uma atitude insensível e “dinheirista”, constitui uma maneira pragmática de reconhecer a sustentação econômica como condição essencial para o custeio da prestação de cuidados de saúde seguros e qualificados.

Na tomada de decisão de ingresso em um programa de acreditação os gestores devem atentar para pelo menos três aspectos:

A acreditação, como um método de avaliação da qualidade médico-assistencial, pressupõe mudanças expressivas na forma como a gestão organizacional é conduzida.

A implementação de um programa de acreditação constitui uma atividade de médio prazo (18 a 24 meses). Consequentemente implica no dimensionamento de custos e esforços que deverão ser alocados. Após a obtenção do certificado, é necessário considerar a manutenção do status alcançado.

O tamanho da organização de saúde representa um fator de facilidade ou dificuldade no atendimento aos padrões e requisitos da acreditação. As organizações maiores usualmente encontram mais facilidade, enquanto as organizações menores (ex.: clínicas especializadas e laboratórios de análises clínicas) precisam, proporcionalmente, despender maiores esforços para cumpri-los.

A literatura especializada não alude explicitamente sobre as condições econômico-financeiras das organizações de saúde que entram em um programa de acreditação. A prática, contudo, evidencia que somente organizações minimamente equilibradas do ponto de vista econômico-financeiro encontram-se em condições de atender as cobranças de um programa de acreditação. Quando muito, o esforço para cumprir os padrões e requisitos de qualidade e segurança, melhora a situação econômico-financeira. Ou seja, por princípio, esse tipo de programa não recupera, financeiramente, organizações de saúde; fortalece a gestão dos serviços, reduz desperdícios, melhora a segurança e a qualidade, assim como pode contribuir para a satisfação dos grupos interessados. Não é exagero afirmar que organizações economicamente deficitárias e gerencialmente instáveis dificilmente ingressarão em um programa de acreditação, seja pelo esforço que precisarão despender, seja pela percepção da impossibilidade de resolver as deficiências. Para essas organizações, consequentemente, a acreditação constitui um objetivo distante e improvável.

Os movimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) nos dois últimos anos[5],[6], com o propósito de tornar a qualidade e a segurança dos serviços de saúde mensuráveis e menos opinativas, indicam uma tendência cada vez mais forte no sentido de coagir as organizações de saúde a aderirem a um programa de acreditação, seja por implicações remuneratórias, seja pelo risco de rescisão de contrato por parte das fontes pagadoras. O elemento agravante reside no fato de que inexiste um expediente que expressivamente acelere o processo de aquisição de uma acreditação.

Os gestores precisam avaliar que a acreditação, longe de ser uma moda, representa, na atualidade, a abordagem mais importante de melhoria da qualidade dos serviços de saúde no mundo. O conhecimento acumulado até o momento indica que o desenvolvimento de uma gestão consistente, com base neste sistema de avaliação, aumenta a capacidade de sustentação organizacional, a qualidade e a segurança dos cuidados prestados, assim como a satisfação das diversas partes interessadas.

[1] Falconi, V. O verdadeiro poder. Nova Lima: INDG Tecnologia e Serviços Ltda, 2009.

[2] Quinto Neto, A. Estética da acreditação. Porto Alegre: Editora IAHCS, 2016.

[3] Falconi, V. O verdadeiro poder. Nova Lima: INDG Tecnologia e Serviços Ltda, 2009.

[4] Joson, RO. Ensuring quality beyond accreditation – What hospitals need to do to stay one step ahead? August 8, 2014.

[5] ANS. Resolução Normativa nº 364, de 11 de dezembro de 2014.

[6] ANS. Resolução Normativa nº 391, de 04 de dezembro de 2015. Altera a Resolução Normativa nº 364, de 11 de dezembro de 2014.

Antonio Quinto

Médico psiquiatra, Mestre em Administração pela UFRGS, Especialista em Avaliação de Sistemas e Serviços de Saúde, Membro do Conselho Editorial da Revista de Administração em Saúde da Associação Paulista de Medicina. Fellow do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs). Avaliador Sênior do Instituto de Acreditação Hospitalar e Certificação em Saúde - IAHCS/ONA e professor convidado dos cursos de especialização do IAHCS/Fasaúde e da Faculdade Unimed, de Belo Horizonte (MG). Diretor de Provimento de Saúde do IPE-Saúde.

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