Antonio Quinto

A Responsabilidade dos Gestores com a Segurança do Paciente

É um truísmo que a assistência à saúde constitui-se em uma atividade potencialmente arriscada para os pacientes, profissionais e organizações de saúde, muito embora via de regra não se tenha a clara dimensão do potencial dos riscos envolvidos. Falhas na área da saúde são, por princípio, uma ameaça à integridade do paciente e isso pode resultar em dano, temporário ou permanente, ou mesmo em óbito (o que é uma catástrofe para os familiares do paciente, equipe de saúde e gestores).

A mídia tem noticiado situações ocorridas nos hospitais que assustam a população em geral: “idosa com fêmur esquerdo fraturado é operada do fêmur direito”; “paciente falece ao receber ar comprimido quando deveria ser oxigênio”; “paciente entra em coma após receber dosagem errada de medicação”, e assim por diante. Historicamente, as consequências dos cuidados médico-hospitalar têm sido creditadas com exclusividade aos médicos e enfermeiras. Os danos, temporários ou permanentes, causados aos pacientes pelas ações assistenciais estariam relacionados, de forma irrefutável, com a atuação desses profissionais. Assim sendo, é incomum gestores hospitalares discutirem taxas de infecção, quedas de pacientes, úlceras de pressão, cirurgia em lado errado, erros de medicação, demora no tratamento, e outras ocorrências semelhantes. Esses assuntos seriam questões reservadas aos médicos e enfermeiras.

É contraintuitivo conceber-se que diretores e gerentes de serviços  de saúde sejam responsáveis pela qualidade do cuidado e a segurança dos pacientes. Isso porque a tradição hospitalar, hierárquica e autoritária, separou administração e assistência, considerando-as como áreas estanques. Caberia aos gestores envolverem-se com os aspectos financeiros, contábeis e as condições gerais das organizações de saúde, enquanto médicos e enfermeiras cumpririam a “indelegável” função assistencial. O que se sucedeu nos últimos anos foi uma transformação dessa visão dualista, principalmente devido a exposição da prevalência de incidentes assistenciais através da mídia e o aumento da complexidade dos serviços de saúde em vários aspectos, fatos que confirmaram o quanto as duas áreas são interdependentes.

O primeiro passo para a mudança da visão dualista deu-se no final da década de 1990, quando se percebeu que repetidas vezes as falhas e incidentes assistenciais aconteciam em função de rupturas nos processos assistenciais e administrativos. A abordagem tradicional admitia que médicos e enfermeiros bem treinados e conscienciosos não cometeriam falhas, e que os incidentes assistenciais derivariam de uma conduta incompetente. Por consequência, ponderava-se que a  censura e a punição constituíam-se nos métodos apropriados e eficazes para motivá-los a serem “mais cuidadosos”.

Os estudos subsequentes demonstraram que as falhas e incidentes assistenciais ocorriam em proporção além do supostamente aceitável, e que pelo menos metade desses eventos poderiam ser impedidos. Associado a essa ideia identificou-se que “falhas ativas” empreendidas na “ponta do sistema” – onde os profissionais de saúde interagem com pacientes, outros profissionais, materiais medicamentos, equipamentos e instalações –  provinham ou eram facilitadas por “condições latentes”. Estas encerravam defeitos embutidos nos sistemas – gestão, organização, políticas institucionais, treinamentos, materiais, equipamentos, etc. – que induziriam os profissionais da “ponta” a cometerem falhas e se envolverem em incidentes assistenciais.

O entendimento mais recente sobre segurança do paciente preconiza que os gestores são os profissionais que se encontram em melhor posição para modificar atitudes e práticas institucionais, podendo contribuir para o estabelecimento de uma cultura da segurança do paciente como um pré-requisito da assistência, e não como uma propriedade da atuação dedicada, desejável e valiosa, de médicos e enfermeiras.

Os gestores atentos à assistência segura, dentre vários aspectos, passaram a considerar como relevantes as seguintes providências:

1)    Colocar questões de segurança do paciente na agenda das reuniões sistemáticas da direção e dos médicos.

2)    Comprometer os gerentes em discussões sobre a segurança do paciente.

3)    Compartilhar o desempenho da organização comparando com boas práticas de segurança do paciente.

4)    Incluir, entre as prioridades nas práticas de contratação de pessoal, profissionais sensíveis à segurança do paciente.

5)    Desenvolver programas educacionais de segurança do paciente para todos os colaboradores.

6)    Realizar visitas periódicas aos locais de trabalho concentrando-se, entre outros assuntos, na segurança do paciente.

7)    Disponibilizar recursos para o desenvolvimento de processos baseados em evidência que aumentem a segurança do paciente (por exemplo: equipes de resposta rápida, registros eletrônicos com apoio à decisão clínica, prescrição eletrônica, etc.).

8)    Dar incentivos aos colaboradores que contribuem para a cultura da segurança do paciente.

A despeito das melhores intenções e esforços, os incidentes assistenciais acontecerão e poderão causar danos graves aos pacientes. Essas situações, no entanto, precisam ser manejadas com coragem e honestidade, associadas ao compromisso de identificar processos e sistemas deficientes e melhorá-los o mais rápido possível, a fim de fortalecer a segurança de todos – uma nova dimensão da área de cuidados de saúde.

Antonio Quinto

Médico psiquiatra, Mestre em Administração pela UFRGS, Especialista em Avaliação de Sistemas e Serviços de Saúde, Membro do Conselho Editorial da Revista de Administração em Saúde da Associação Paulista de Medicina. Fellow do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs). Avaliador Sênior do Instituto de Acreditação Hospitalar e Certificação em Saúde - IAHCS/ONA e professor convidado dos cursos de especialização do IAHCS/Fasaúde e da Faculdade Unimed, de Belo Horizonte (MG). Diretor de Provimento de Saúde do IPE-Saúde.

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3 Comentários

  1. O dr. Quinto é reconhecido nacionalmente como ” expert ” no tema que aborda nesta sua intervenção no Portal. A busca pela segurança do paciente e pela melhoria contínua da qualidade nos serviços de saúde deve constituir verdadeira obsessão de todos os gestores.

  2. O Dr. Antônio Quinto Neto é o pioneiro nesse assunto e através de suas aulas na turma de auditoria do IAHCS – POA me interesei pelo assunto e venho estudando esse assunto desde 2008. Surgiu o novo conceito de Auditor do risco assistencial e Segurança do paciente. Mas venho observando também que o medo que os gestores das grandes instituições tem em relação a esse assunto é impressionante. Parece que coloca os mesmos em pânico. Não ocorre abertura para a introdução desse assunto na nossa região de Passo Fundo – Planalto Médio. A única empresa que deu sinal positivo nesse sentido foi a Unimed Planalto Médio através de sua diretoria com uma visão mais visionária e progressista. Mas com certeza o caminho é longo e muito complexo, por que no sistema de saúde dependemos de muitas variáveis. Me parece que através das operadoras de saúde que são as reais interessadas em diminuir o evento adverso, ao contrário das instituições de sáude que lucram inclusive em cima do dano causada por elas mesmas. No momento que todas as operadoras e planos de saúde que patrocinam o sistema saúde se conscientizarem da força que tem e que com isso terão os seus custos reduzidos, daí então essa política de segurança do paciente crescerá sem precedentes.

    Dr. Daniel Schneider
    CRM: 18286
    cemps@razaoinfo.com.br

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