Antonio Quinto

Organizações de Saúde e a Governança Clínica como Fundamento da Assistência à Saúde Qualificada

A governança clínica é uma evolução, apropriada e necessária, da gestão do corpo clínico para melhorar a qualidade assistencial com a colaboração dos médicos. Apropriada, porque se tornou visível a ocorrência dos problemas de segurança na prestação dos serviços de saúde. Necessária, porque a assistência à saúde ainda apresenta características associadas a um estilo antigo, baseado em um sistema artesanal e particular, que destoa do que melhor funciona no século XXI: trabalho em equipe, aplicação dos princípios da segurança e melhoria contínua, bem como a padronização de processos assistenciais rotineiros.

Os médicos habitualmente combatem a padronização de processos assistenciais rotineiros porque acreditam – pela existência de particularidades individuais – que cada paciente é único e seu. Esse entendimento, contudo, tem-se mostrado ineficaz na contenção de falhas e incidentes assistenciais, não por incompetência, mas pelo grau de complexidade da moderna e tecnológica prática assistencial. Diante disso, alguns gestores decidiram enfrentar este desafio e estão obtendo resultados admiráveis com a aplicação de diretrizes clínicas e procedimentos operacionais: diminuição de falhas e incidentes, aumento das taxas de sobrevida dos pacientes e redução de custos assistenciais. Eles encontraram a medida exata de alinhar, exitosamente, liderança, processos principais e sistemas de mensuração com claras linhas de responsabilidade, assim como o estabelecimento de uma mentalidade de segurança e qualidade, desde a recepção até os locais específicos de atendimento, passando pelas áreas administrativas e de apoio. Essa nova abordagem pressupõe um ambiente de trabalho estruturado para maximizar as práticas assistenciais e, por consequência, aumentar a confiabilidade nas atividades realizadas. Há um compartilhamento de responsabilidades entre todos, suavizando a carga individual sobre os médicos, o que os torna mais produtivos e satisfeitos. Vale ressaltar que, diferentemente do que muitos pensam, a qualidade assistencial e a segurança do paciente são compromissos de todos os que trabalham nas organizações de saúde, e não exclusividade dos médicos e enfermeiras.

Os médicos reclamam – e com razão – que a maioria das organizações de saúde, em particular os hospitais, funciona precariamente. Essa condição sobrecarrega-os e deixa-os preocupados e estressados. A governança institucional surge como o componente apropriado que cria e mantém uma infraestrutura e um ambiente agradável que fortalecem as ações assistenciais e as relações interpessoais. Isso facilita o desenvolvimento da governança clínica, une o corpo institucional e faz com que os médicos se sintam protegidos em suas ações de cuidado.

Não se constitui mais em algo inédito a identificação pública de incidentes assistenciais de alto impacto que atordoam os gestores e atemorizam os profissionais, em particular os médicos. O fato é que, para o bem e para o mal, o reconhecimento de fenômenos causadores de grande sofrimento aos pacientes e seus familiares têm contribuído para o questionamento de formas ultrapassadas e inadequadas de prestação da assistência à saúde. Consequentemente, a gestão assistencial tem-se desenvolvido e passou a coletar e analisar dados e fatos, a fim de que conhecê-los melhor e tomar medidas corretivas. No momento a governança posiciona-se como uma cola que pode unir a prestação qualificada e segura, expondo resultados e oportunizando a discussão entre todos os profissionais, a fim de aprimora-los. Adicionalmente, os gestores, com o propósito de levar suas organizações ao patamar da excelência, exercitam a comparação de resultados com outras organizações, o que estabelece uma condição de aprendizado permanente.

As organizações que estão destacando-se pela qualidade dos serviços e segurança do paciente, cultivam sistematicamente algumas ou todas as iniciativas abaixo relacionadas.

1)        Execução de quatro práticas associadas: mensuração, responsabilidade individual e compromisso com a prestação de contas, cultura da segurança e melhoria, e maximização e padronização de processos rotineiros (assistenciais e administrativos).

2)        Mensuração dos resultados, em especial os que interessam aos pacientes.

3)        Atribuição de responsabilidade individual pelos resultados clínicos e financeiros.

4)        Alinhamento dos processos de medição relacionados com as linhas de cuidado e a comunicação entre os diversos grupos interessados.

5)        Criação de uma cultura de “tolerância zero” para a complacência com condutas inadequadas, mas também uma cultura aberta e justa, comprometida com a excelência e aprendizagem conjunta.

6)        Adoção de tecnologia da informação que permite o acompanhamento das ações e mensurações assistenciais e administrativas.

7)        Contínua avaliação da satisfação dos clientes internos e externos.

8)        Comparação dos resultados assistenciais e gerenciais com organizações de saúde certificadas, ou com outras indústrias reconhecidamente qualificadas.

9)        Execução periódica de auditorias internas e externas.

10) Busca de uma certificação através de uma agência externa independente.

As organizações de saúde empenhadas em aumentar a qualidade dos serviços e a segurança do paciente em suas operações, devem considerar que a jornada em direção à alta confiabilidade é longa e gradual, e que a acreditação representa, nacional e internacionalmente, a metodologia que pode auxiliar nesse sentido.

Antonio Quinto

Médico psiquiatra, Mestre em Administração pela UFRGS, Especialista em Avaliação de Sistemas e Serviços de Saúde, Membro do Conselho Editorial da Revista de Administração em Saúde da Associação Paulista de Medicina. Fellow do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs). Avaliador Sênior do Instituto de Acreditação Hospitalar e Certificação em Saúde - IAHCS/ONA e professor convidado dos cursos de especialização do IAHCS/Fasaúde e da Faculdade Unimed, de Belo Horizonte (MG). Diretor de Provimento de Saúde do IPE-Saúde.

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